29.5.04

Uma lua a sério

Este pontão, este lago, tudo tão negro, tudo tão igual.
Só me mexem as ondas pequenas que vão borbulhando contra a madeira dando alguma cor branca.
Assim consigo ver o caminho, mas só por isso, porque mais luz aqui não há, nenhuma, nada.
Começo a andar, entrando no lago, por baixo de mim apenas se sucedem as tábuas de madeira, de forma tão maquinal, devem-me tomar por comboio.
Noto agora que as luzinhas brancas com que a água ao chapinar ia adornando o meu trajecto faziam parte apenas do quadro inicial. A luz agora é outra, move-se, sobre mim, segue-me. A água mantém-se tão calma, tão leve e a luz persegue-me a mim, só a mim.
Com o andar noto que o pontão não tem fim, estarei já afastado da margem ?
Olho para trás e vejo as tábuas de madeira desaparecerem precipito-me para passos mais apressados, consigo ainda olhar para trás, continua em ritmo frenético a desaparecer o pontão por trás de mim ! Será que se abrandar ele toma isso em consideração no seu ritmo de fuga e me consigo manter seco ?
Não posso parar, não posso tentar.
Não estou a conseguir decifrar se ele desaparece por si mesmo, ou por mim que fujo nele.
Com isto já mal consigo olhar para a frente e o pontão não é assim tão largo que me permita não prestar atenção à navegação durante muito tempo.
E sucede-se tábua após tábua sem que este comboio encontre estação. Tão finas e firmes surgem no meu horizonte limitado as tábuas do pontão e … tão rapidamente se desvanecem atrás de mim. Acho que há mais luz quando desaparecem, mas sinceramente não sei, não me consigo manter a olhar para trás tempo suficiente para ter a certeza.
Como sair daqui ? Só me é apresentada uma direcção, não há fugas. O que estará para lá da bruma ?
Imagino montanhas altas, que em dias mais soalheiros vêem o seu reflexo no espelho das águas do lago, mas também imagino a lua nessa moldura e não daquelas pequenas que vão aparecendo com o final dos dias ! Imagino uma lua a sério, em crescendo, como se estivesse na mais negra das noites. Porque é que me meti nisto ? Se não desaparecessem as tábuas ao passar por mim, voltava atrás e ia lá perguntar, é que já não me lembro !
Bem tábuas, não vou parar para ver se param comigo, vou acreditar em vocês, vou seguir o caminho que com esta vossa engrenagem me traçaram. Espero não tropeçar, espero não me molhar, estou a aprender a que passo devo caminhar.

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